“Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
– Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar.
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
– Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar.
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
– Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar.
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
– Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar.
O
gênio da música popular brasileira Chico Buarque de Holanda compôs a canção
“Angélica”, em parceria com Miltinho (Milton Lima dos Santos Filho, do grupo
MPB-4), para homenagear Zuleika Angel Jones, estilista brasileira que ficou
internacionalmente conhecida como Zuzu Angel.
Mineira
de Curvelo, Zuzu iniciou sua carreira na cidade do Rio de Janeiro, no final da
década de 1950. Fez sucesso no mundo da moda ao criar coleções originais com
estampas ousadas, em um estilo que foi sua marca registrada.
Anos
mais tarde, seu filho, o jovem Stuart Angel Jones, tornou-se um militante
político e passou a combater a ditadura militar. Membro de uma organização
clandestina, acabou preso, torturado e morto nas dependências da Base Aérea do Galeão em
1971.
Oficialmente
Stuart estava “desaparecido”, mas o preso político Alex Polari de Alverga havia
testemunhado as condições de sua morte na prisão. Polari escreveu a Zuzu Angel
revelando o que havia ocorrido e a partir daí Zuzu iniciou uma campanha de
denúncias, no Brasil e no exterior, sobre as torturas e os assassinatos
praticados pelos órgãos de repressão do governo brasileiro.
Foi
nesta época que Zuzu criou a primeira coleção de “moda política” de que se tem
notícia, usando estampas com silhuetas bélicas, pássaros engaiolados e balas de
canhão disparadas contra anjos. Durante cinco anos, entre 1971 e 1976, ela
tentou encontrar o corpo do filho, cuja prisão e morte nunca foram admitidas
pelas autoridades militares.
E
a própria Zuzu Angel acabou sendo também assassinada, em um “acidente”
forjado de automóvel na saída do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Ela já
tinha anunciado: “Se eu aparecer morta por acidente ou outro meio, terá sido
obra dos assassinos do meu amado filho”.
Uma
semana antes de morrer, Zuzu enviou a vários intelectuais do Brasil, entre eles
Chico Buarque, um documento para ser publicado caso algo lhe acontecesse. A
letra de “Angélica” fala da força e da determinação de Zuzu Angel, que
enfrentou sozinha o poder e a violência do regime militar.
O
texto é composto de quatro estrofes, com quatro versos cada, e as estrofes
começam sempre com o mesmo verso: “Quem é essa mulher?”. Esta forma de
poema onde há repetição de uma frase é chamada Ritornelo, ou seja, o retorno
constante ao mesmo tema.
Há
ainda um paralelismo especial entre dois elementos que constituem o princípio
estruturante do texto: uma voz que pergunta sobre a mulher e a voz da própria
mulher, justificando a sua busca incessante pelo filho.
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