OS VERSOS QUE TE FIZ

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para te dizer
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer

Têm dolências de veludos caros
São como sedas pálidas a arder
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer

Mas, meu amor, eu não t’os digo ainda
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto e nunca te beijei
E nesse beijo, Amor, que eu não te dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


Florbela Espanca nasceu em Portugal, em 8 de dezembro de 1894. Batizada como Flor Bela de Alma da Conceição, foi uma poeta com uma vida tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos. Mas ela soube transformar esses sentimentos em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização e feminilidade. Morreu tragicamente, de overdose de barbitúricos, no dia do seu aniversário de 36 anos.
No poema “Os versos que te fiz”, com a intenção de se aproximar do amado, a poeta inicialmente pede-lhe permissão (deixa-me). Esse distanciamento do amante e do ser amado remete-nos às origens da Literatura Portuguesa, às Canções de Amigo e de Amor. Nesses dois tipos de canções existe um amor platônico em que só o bem-querer move os amantes, através de gestos e olhares.
A própria poeta considera seus versos “raros”, pois são talhados em mármore de Paros (cidade da Grécia cujos mármores são famosos). Esses mármores foram “cinzelados por mim pra te oferecer”. Essa linguagem cinzelada e trabalhada é uma característica do Parnasianismo.
Mas a sonoridade dos versos nos remete também ao Simbolismo. “As sedas pálidas a arder” são as faces da amada que se enrubescem. Vemos através desta metáfora a brilhante originalidade de Florbela.
Os versos passam a ser sensuais, capazes de enrubescer a amada. A poeta viaja por várias escolas literárias, desde a Época Medieval, passando pelo Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo, embora a estrutura dos versos seja um soneto parnasiano.
Até há pouco tempo atrás, o mistério era sinônimo de sensualidade. As mulheres usavam vestidos até o tornozelo, os amantes não se expunham totalmente e custavam muito tempo para conseguir o primeiro beijo. Tudo isso era misteriosamente encantador.
Ao concluir o soneto, a autora mostra uma emoção profunda, intensa e contida, aguardando o momento ideal para ser revelada ao amado.

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